A omissão do estado e a crise da segurança

Por Igor Pipolo e João Henrique Martins*

A cada notícia que nos chega sobre a insegurança no Brasil só confirma a falência do atual modelo de gestão da segurança pública. Para quem está vivendo fora do país, é quase impossível não fazer uma comparação com o sistema do país onde estamos. É muito diferente!

Os últimos episódios de violência no sistema penitenciário brasileiro, com destaque para Manaus e Natal, são uma pequena amostra da barbárie que ocorre no dia a dia do setor prisional. Em 2016, foram quase 400 mortes violentas apuradas oficialmente dentro dos presídios do Brasil e pouca exposição midiática foi dada. Agora, após esses dois massacres (anunciados), parece que estamos diante de algo mais absurdo do que já tínhamos conhecimento e nada foi feito para evitá-los. Para se ter uma referência, ano passado, na Inglaterra foram registrados 3 homicídios e, nos Estados Unidos, com 2,3 milhões de presos, foram registrados aproximadamente 100 casos de mortes violentas (assassinatos) dentro do sistema prisional.

Há crime organizado tanto nos EUA quanto na Inglaterra, mas eles não dominam as cadeias e tampouco impõem terror à sociedade como fazem no Brasil, basta lembrar que a taxa de homicídio dos EUA e Inglaterra são, respectivamente, 7 e 25 vezes menor que no Brasil, segundo a OMS. O nível de roubos na Califórnia é 6 vezes menor que em São Paulo, enquanto o consumo de drogas está estável nos EUA e em queda na Europa (UNODC), cresce na América Latina, puxado por Brasil e Venezuela.

Portanto, não é o tamanho da população carcerária ou mesmo a existência de crime organizado a razão da grave crise de insegurança que vivemos, e sim a forma ultrapassada, muitas vezes amadora e irresponsável, como o Estado brasileiro vem respondendo ao crime nos últimos 30 anos.

Segundo o Nobel de Economia, Gary Becker, o crime só é controlado quando o Estado produz níveis adequados de dissuasão (polícia e lei eficientes) e incapacitação do criminoso (justiça e sistema prisional que o mantenha sem acesso ao dinheiro e ao mundo do crime). É assim que países sérios fazem. E, infelizmente, é tudo o que o Brasil não faz.

Nossa legislação penal e, principalmente, a de execução penal, simplesmente não dissuadem o preso. Se preso em flagrante, poderá ser solto em 24 horas na audiência de custódia. Se condenado, terá regalias como: infinitas saídas temporárias, sexo com prostitutas e direito ao regime semiaberto, após cumprir risíveis 1/6 da pena. É até difícil explicar que chamamos isso de dissuasão para um americano ou europeu.

Em vez de incapacitar, nossas cadeias “capacitam” criminosos para o crime, pois o Estado, de forma criminosa, abriu mão do controle do preso dentro dos presídios. Eles vivem uma esdrúxula “autogestão”, quando muito é o carisma de agentes penitenciários que conseguem estabelecer algum regramento interno. Mas, mesmo nesses casos, a gestão dos negócios ilícitos ocorre livremente, fortalecendo facções e ampliando a violência nas cidades.

A recuperação dos presídios é determinante para a segurança da sociedade e para os próprios presos, pois mesmo a ressocialização depende de um alto nível de controle do preso dentro das prisões.

Chegamos a essa situação porque muitos acordos tácitos (outros expressos) foram feitos com o crime: em troca de “paz nas cadeias”, o autocontrole. Isso parece dar certo até o momento em que a “paz” atrapalha os negócios ilícitos. Como o atual momento.

Para sair dessa encruzilhada, precisamos recuperar o controle das cadeias. E aí há uma interpretação geral equivocada em pensar que a penitenciária deve ser um lugar para o preso sofrer além da perda da sua liberdade. Esse é um erro grave, pois a mesma lei que o colocou na cadeia, vai tirá-lo de lá. A ausência do Estado no sistema prisional é uma oportunidade perfeita para o crime organizado crescer de forma rápida e consistente.

Segurança pública não se faz meramente aumentando efetivo de policiais, comprando mais armas e/ou construindo mais presídios. É preciso, mais do que nunca, que haja coragem dos governantes e que se implemente com energia as medidas impopulares necessárias para retomada do controle por parte do Estado. Todos os governantes sabem bem o que precisa ser feito, resta por em prática e apertar o cerco contra a criminalidade.

Dos 570 mil presos que o Brasil tem atualmente, apenas 2% são considerados de alta periculosidade, ou seja, estamos falando de aproximadamente 11.400 presos que apavoram um país inteiro porque o Estado não tem um sistema de gestão integrado e inteligente, capaz de mantê-los sob controle.

Em geral, associamos segurança pública à polícia, mas consideramos que o Judiciário tem a mais importante parcela no atual status. Só para exemplificar, o Poder Judiciário deveria começar a dar sua contribuição revendo os critérios da audiência de custódia, pois nos parece contraproducente no momento de epidemia de crimes, ampliar a impunidade e desmotivar as forças policiais que não dão conta de prender diariamente criminosos que a Justiça solta antes mesmo dos policiais terminarem de preencher a papelada burocrática.

Além do risco à vida, a insegurança compromete importantes setores da economia nas cidades e de uma maneira geral para todo o país, como, por exemplo, nenhuma das nossas belezas naturais serão suficientes para trazer de volta o turista que a incompetência na segurança pública afugentou.

Entrevista publicada em minha coluna no jornal Gazeta Brazilian News: http://gazetanews.com/author/igor-pipolo/.

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*João Henrique Martins
Cientista político especializado em análise criminal e políticas de segurança, pesquisador do NUPPS/USP, Mestre em Ciência Política pela USP. Ex-Professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco nos cursos de Bacharelado, Mestrado e Doutorado profissionalizantes. Foi instrutor de Inteligência Estratégica no Centro de Inteligência da PMSP. Professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Anhembi Morumbi. Consultor do Observatório de Mercados Ilícitos da FIESP e ex-analista do Centro de Inteligência da PMESP.