Uma explicação oportuna por qual razão não aconteceram atentados na EURO 2016 e os atuais eventos em NICE.
Palestra ministrada por membro da estrutura de segurança do EURO 2016 no OPORTO Security International Forum,
na cidade do Porto, em Julho de 2016.
Entre 10 de junho e 10 de julho vimos, pela terceira vez, a França sedia a fase final do Campeonato Europeu de Futebol da UEFA. Além de ser o berço do nascimento desse evento, cuja primeira edição ocorreu em 1960, a França passa agora a ser a recordista em sediar essa competição. Vale dizer também que os franceses conquistaram em casa a “Coupe Henri Delaunay” em 1984.
Sendo sede da competição, a seleção francesa qualifica-se automaticamente. Numa composição inédita, 24 seleções disputaram o 15º Campeonato Europeu da UEFA. As equipes foram divididas em grupos de quatro.
Essa estrutura de competição substituiu a que foi usada nas últimas quatro edições. Na primeira versão, de 1960, incluía quatro equipes; em 1980 participaram oito países e dezesseis em 1996.
As partidas do EURO UEFA 2016 foram realizadas em dez estádios nas cidades: Bordéus, Lens, Lille, Lyon, Marsella, Nice, Paris, Saint-Denis, Saint-Etienne e Toulouse.
Ao sediar o evento, a França assumiu dois desafios principais: Fortalecimento da “Diplomacia do Desporto” e confirmar sua experiência na gestão de megaeventos desportivos, com ênfase na segurança, devido à sua perspectiva de candidatura a sediar os Jogos Olímpicos de 2024.
Nesse contexto, o sucesso na segurança do EURO 2016 passou a ter grande relevância e caracterizou que os franceses tem competência para organizar grandes eventos desportivos internacionais. Um dos pontos fortes desse êxito foi a integração dos agentes da segurança privada e da segurança pública. Foi criada uma equipe de ligação com a participação de lideranças dos dois setores que primou pela definição de responsabilidades, protocolos de atuação e levantamento de necessidades com a antecedência necessária para permitir um planejamento adequado.
A estrutura organizada para o EURO 2016 foi o maior dispositivo de segurança pública e privada instalado na França até então. A simultaneidade de eventos em lugares diferentes e distantes obrigou a uma análise de risco complexa realizada por uma agência credenciada pelo Ministério do Interior.
Na identificação das necessidades de agentes de segurança privada para o evento, a preocupação inicial foi referente ao cumprimento dos compromissos contratuais pelas empresas de segurança privada. O cenário de escassez de recursos humanos e tensão do mercado eram agravados pelos atentados terroristas recentes na França e na Bélgica.
Para prevenir qualquer imprevisto, em dezembro de 2015 foi realizada, pela organização do evento, uma reunião preliminar com prestadores de serviços de segurança privada sobre necessidades de efetivos e áreas a serem cobertas. Como desdobramento dessa reunião, foi estimada a necessidade de 8.634 agentes de segurança privada para os estádios e aproximadamente mais 1.000 para prover a segurança de outras instalações como hotéis, locais de treinamento, imprensa, dentre outros. Ao todo, foram estimados cerca de dez mil agentes de segurança privada para o EURO 2016.
Houve uma dificuldade na determinação das necessidades de segurança para as zonas de torcedores. O número final estimado acabou sendo próximo de dois mil agentes de segurança privada porque todas as cidades elevaram o nível de exigência em relação à segurança. Também nesse contexto, vários municípios optaram por reduzir a capacidade das zonas de torcedores ou alteraram suas localizações.
Até pouco tempo antes do início do evento, as empresas de segurança tinham dúvidas quanto à possibilidade de poder prover a quantidade de mão-de-obra necessária, porque já estavam no limite de sua capacidade. A USP (União das Empresas de Segurança Privada) chegou a declarar que as empresas não poderiam se comprometer com aquela demanda.
Para solucionar essa situação, buscou-se a parceria de uma agência de empregos, cujo papel foi de procurar, inicialmente, agentes de segurança qualificados que estivessem desempregados. Numa fase seguinte, foram estabelecidos escritórios regionais que, após identificar os recursos humanos disponíveis, estabelecia contato com as empresas de segurança daquela região que tivessem contrato com o EURO 2016.
Para ampliar a capacidade de mobilização de agentes de segurança privada, também foram recrutadas pessoas desempregadas e sem qualificação para trabalhar no sistema de segurança, mas desde que houvesse tempo hábil para que pudessem participar do treinamento mínimo necessário. Essa iniciativa também foi adotada para as empresas que atuaram nos espaços de torcedores.
Uma das formas de mitigar os possíveis riscos causados pela falta de agentes de segurança privada foi o investimento em sofisticados sistemas de vídeo-vigilância. Com isso, a inteligência de imagens pôde complementar a inteligência humana dos agentes no terreno.
A importância logística dada à mobilização de recursos humanos em geral foi tão grande que todas as prefeituras municipais criaram comitês dirigentes do EURO e, certos departamentos, organizaram o funcionamento de grupos específicos para empregar pessoas a trabalhar no evento. No caso da segurança privada, houve a imposição de que os grupos de trabalho fossem presididos pelos prefeitos.
Atuação da DIGES
A função da Délégué Interministériel aux Grands Événements Sportifs (DIGES – Delegacia Interministerial de Grandes Eventos Esportivos) foi estabelecida por decreto em novembro de 2008 e confirmada em julho de 2013. O DIGES tem dupla finalidade:
É um portal que facilita as relações entre os serviços do Estado e os organizadores dos eventos desportivos. Ela estabelece um registro dos grandes eventos desportivos da França na ótica de desenvolvimento econômico e social. Essas missões são assumidas pelo delegado interministerial, nomeado em Conselho de Ministros, e pela sua equipe multidisciplinar de profissionais de outros ministérios (Interior, Meio-ambiente, Desporto e Negócios Sociais). Um diretor de gabinete assegura a transversalidade dos trabalhos dessa equipe que é subdividida em três pilares.
1. Time de ”Assuntos Gerais e Institucionais” que tem em particular a responsabilidade do seguimento das cartas de garantia, as questões de transporte, os aspectos legais, as relações com os anfitriões locais;
2. Time de “Apoio Acompanhamento e Desenvolvimento” que promovem as animações periféricas e avaliações dos grandes eventos desportivos;
3. Time de “Segurança e Prevenção” que assegura os conhecimentos especializados, o conselho e a coordenação das forças de Segurança Pública e Defesa Civil que é presidido por um integrante da Polícia Nacional.
Devido aos atentados terroristas recentes na França e na Bélgica, o governo francês estendeu o Estado de Emergência para até o final do EURO 2016. Com isso, as forças de segurança tem seus poderes ampliados para execução da lei no tocante às detenções à domicílio e mandados de busca e apreensão a qualquer hora do dia.
Nesse cenário, os acessos às arenas desportivas e às aglomerações de rua para ver os jogos em “telões” passaram a receber atenção especial do sistema de segurança. Duas barreiras físicas foram organizadas isolando cada uma dessas áreas. Sob um sistema de vídeo vigilância instalado, as pessoas tinham que se submeter por duas vezes a revistas individuais envolvendo apalpação e abertura de bolsas.
Também houve uma ampla campanha difundindo quais utensílios eram proibidos dentro desses espaços públicos para que as pessoas não os levassem consigo. Reforçando essa estrutura, também havia um sistema de detecção de objetos metálicos e a possibilidade de acionamento de profissionais para desativação de artefatos explosivos. Também foram organizados pontos de acolhimento e orientação ao redor dos estádios para fluidificar o escoamento das multidões no caso de evacuação.
Cabe aqui comentar que além do terrorismo, também havia a preocupação com grupos violentos de torcedores, como os Hooligans. Como pudemos constatar, a apreensão era legítima e assistimos às hordas de violentos torcedores russos participando de inúmeros eventos de violência.
Foram realizados nos estádios vários treinamentos de diversas situações como ataques com agentes químicos, homem bomba, brigas entre torcedores e outros. Assim como na competição, participaram e estavam presentes policiais, gendarmes, bombeiros, socorristas e profissionais da Defesa Civil. Dentro das possibilidades levantadas, dependendo da análise de risco de determinado cenário, também havia a previsão da realização de partidas num estádio fechado e sem torcida, mas felizmente não foi necessário.
No dia 7 de junho de 2016, três dias antes do início da competição, Bernard Cazeneuve, Ministro do Interior, inaugurou (oficialmente) o Centro de Cooperação Policial Internacional (CCPI) do EURO 2016 em Lognes (Senna-et-Marne) que assumiu o centro das funções operacionais de Comando Controle e transmissão das informações. Essa estrutura foi mobiliada com 200 agentes de segurança nativos de todos os países que participaram da competição. 48 desses agentes do CCPI permaneciam em conexão permanente com os profissionais do terreno em todas as cidades anfitriãs com a finalidade de dar suporte na identificação de ameaças e integrar as informações humanas do terreno com as demais colhidas pela captura de sinais, imagens e pela Cibersegurança.
O CCPI também recebeu profissionais da Gendarmerie Nacional, da Polícia da Prefeitura de Paris, como também das organizações internacionais como a EUROPOL, a Interpol e um suplemento de oficiais de ligação europeus de diversos países.
Na fotografia final do EURO 2016 identificamos que mais de 90.000 pessoas foram mobilizadas para a segurança desse grande evento desportivo: 77.000 pessoas do Ministério do Interior, 10.000 membros das Forças Armadas, 13.000 agentes de segurança privada e 1.000 voluntários das associações de pronto socorro.
Pudemos observar que a unidade de comando foi um ponto alto da segurança do evento. Toda a supervisão foi realizada pelo Ministério do Interior em coordenação com diversos outros ministérios, com destaques para o Ministério da Cidade e dos desportos. Apesar disso, a preparação ocorreu em condições difíceis e sob ameaças constantes.
Em que pese que muitos pontos da organização dessa estrutura sejam semelhantes à estrutura preparada para os JO Rio 2016, caberá aos brasileiros saberem tirar ensinamentos desse evento recém concluído com sucesso para mitigar ao máximo os riscos da primeira olimpíada da história da América Latina.