O crime organizado ocupa o vácuo do Estado das mais diferentes formas e sempre com muita criatividade. Alguns procedimentos, com pequenas variações, encontraram nos países da América Latina um cenário bastante fértil para serem replicados. O contexto costuma ser adornado quase sempre com os mesmos ingredientes: descaso com a miséria, decadência das elites, políticos desmoralizados, contrastes sociais, corrupção e ineficiência do governo.
Esse cenário é favorável a narcotraficantes que pretendem se apresentar como “messias dos pobres”, uma reedição oportunista do personagem Robin Hood. Apresentam-se às classes mais baixas da população como distribuidores de riqueza, provedores de justiça imediata e, até mesmo, mediadores de questões familiares. Isso é apenas uma das formas de se caracterizar a falência do Estado Democrático de Direito.
O que ocorre, na verdade, é uma tremenda barganha. Aproveitando-se da carência extrema das comunidades carentes, como as favelas no Rio de Janeiro, eles compram de forma barata o apoio dessas populações miseráveis. Se não, vejamos alguns dos casos mais clássicos:
- No exemplo colombiano, cujo principal ícone dos barões da cocaína foi Pablo Escobar (anos 1980 e 1990), o requinte chegava a patrocínio de times de futebol, aviões de propaganda, construção de casas populares nas comunas de Medellín, o uso da imprensa para se vitimar publicamente de perseguições, dentre outras ações.
- Nas favelas do Rio de Janeiro os líderes do narcotráfico, desde os anos 1990, financiam os bailes funk, tratamento médico, reparos nas casas, presentes de Natal, fogos de artifício no Réveillon, campeonatos de futebol, dentre outras atividades. Em alguns eventos, com a conivência da banda podre dos órgãos de segurança pública, ocorre a apologia ao narcotráfico, sexo e hostilização da Polícia.
- No México, Chapo Guzman ainda é visto por considerável parte da população como o grande “xerife” de Sinaloa por ter realizado distribuição de terras “confiscadas”, alimentos e material de construção.
Podemos observar outras semelhanças também que seguem ocorrendo. O uso sistemático de violência, assassinatos seletivos, infiltração, chantagens, extorsões, ameaças aos seus inimigos diretos; fugas espetaculares de presídios, com uso de helicópteros ou túneis subterrâneos.
É claro que a evolução tecnológica acompanha o processo e o ciberespaço é frequentemente usado na sua plenitude para essas práticas. A fase mais crítica costuma ser quando o financiamento do dinheiro das drogas é usado para dar autenticidade ao poder conquistado ilegalmente. As principais ações costumam ser: contratação de advogados, recrutamento de pessoas de entidades de Direitos Humanos e organizações não governamentais (ONG), financiamento de campanha política, e a consequente eleição de prefeitos e parlamentares.
Este fenômeno, que passou a ser chamado de Narcopopulismo, merece ser estudado de maneira multidisciplinar por profissionais de diferentes matizes. A percepção equivocada de segmentos menos esclarecidos e a ganância de oportunistas desprovidos de ética tornam esse cenário uma ameaça direta às democracias que ainda estão em processo de consolidação.
Finalmente, após mais de duas décadas, ainda existem pessoas em Medellín indo diariamente colocar flores no túmulo de Pablo Escobar. Nas favelas do Rio de Janeiro, os jovens traficantes ainda grafitam nos muros e paredes as iniciais de Rogério Lengruber e outros líderes mortos há mais de uma década. Somente a compreensão do significado do Narcopopulismo pode levar os países latino-americanos a eleger corretamente as ações eficazes de combate a esse flagelo e as suas sociedades a adotar as posturas corretas.