Já faz algum tempo que dois conceitos de têm entrado em rota de colisão no mundo contemporâneo: A Segurança do Estado e a Segurança Humana. É importante ter maturidade para entender que ambos podem vir a serem manipulados por grupos na manutenção do status quo ou disputa pelo poder. Vou comentar em linhas gerais algumas implicações e articulações de três escolas de pensamento (e suas respectivas derivações) sobre esses dois conceitos de segurança, as escolas: Realista, Universalista e Marxista.
A escola “Realista”, cujos autores clássicos mais conhecidos são Maquiavel, Clausewitz e Henry Kissinger; dentre outros, possui um entendimento cético em relação à condição humana. Uma das consequências seria que a sociedade necessita de uma autoridade centralizada que tenha poder de polícia absoluto. Nesse caso, o Estado, através das FFAA e Forças de Segurança, é o legítimo e único detentor do direito de exercer a violência para prosseguir na sua ação reguladora da sociedade. Tradicionalmente, e mesmo sem conhecer esses fundamentos teórico-acadêmicos, militares, policiais e os segmentos mais tradicionalistas da sociedade defendem esse tipo de atuação do Estado. Assim como outros segmentos, militares e policiais resistem ao serem controlados. Ocorre que esse modelo apresenta suas falhas, algumas são evidenciadas quando os integrantes de Forças de Segurança, considerando-se acima da lei, apresentam desvios de conduta, o que confirma alguma necessidade de controle.
Tradicionalmente, entende-se que o Estado só existe se apoiado no tripé: território, povo e soberania. Recentemente incluíram mais um elemento nessa sustentação, o “bem comum”, o que faz algum sentido, basta olhar para a Venezuela e outros países se derretendo. Entretanto, vários Estados têm conseguido prosseguir por décadas sem esse último fator. O território e o povo seriam os elementos concretos de um Estado, sobre eles é que a soberania atua. Para ser concreta, a soberania precisa ser uma regalia indivisível, intransferível, perpétua e completa. A partir dessa premissa, tudo deve ser realizado para preservar o Estado, que teria mais valor do que as vidas de seus integrantes, que deveriam estar sempre disponíveis a sacrificar-se por ele. É o discurso mais usado no recrutamento de jovens para as FFAA nos momentos de guerra, por exemplo. É claro que teriam outras ideias a serem acrescentadas nessa matéria.
Já o conceito de Segurança Humana entende que o Estado é o meio pelo qual o indivíduo pode conseguir seus direitos, bem-estar e liberdade. Esse novo paradigma rompe com a tradição “Realista” e apresenta significativas consequências teóricas e práticas para a aplicação das políticas dos Estados. Para isso, entendem que é necessária a regulação racional do poder através do direito e da razão. A escola “Liberal” ou “Universalista” de Vitoria, Immanuel Kant, Robert Cox e outros, base dos conceitos da idealização da União Européia, viabilizou essa concepção de através de uma atitude de maior expectativa de otimismo na capacidade de convivência humana. Eles entendem que além do Estado, também há outros protagonistas no cenário como os povos, organismos internacionais, ONGs, religiosos, dentre outros. Há uma grande rede em que outros temas precisam entrar na pauta como multilateralismo, cooperação, universalismo. Uma distorção desse sistema ocorre no Brasil quando o “controle” que se deseja é direcionado apenas aos agentes da lei e inviabiliza a repressão de criminosos através de dispositivos legais extremamente desgastantes para quem trabalha na ponta da linha. Dentre esses dispositivos podemos identificar a Audiência de Custódia, na qual vários criminosos que foram presos através de longas investigações e outras atividades são sumariamente liberados após um primeiro contato com o juiz, dependendo do entendimento do mesmo sobre como foi a prisão ou do grau de periculosidade do criminoso. Outro exemplo seria o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, que inviabiliza a apreensão da maior parte dos menores infratores, ou lhes aplica um rigor muito aquém do grau de violência evidenciado em alguns crimes. Em relação aos criminosos do colarinho branco que mobíliam as mais altas esferas dos três poderes da República, fica mais fácil simplificar dizendo que possuem foro privilegiadíssimo e são praticamente imunes à legislação que trata dos cidadãos normais.
A terceira corrente de pensamento é a marxista que possui algumas derivações como a neomarxista, gramiscista por exemplo; cujos autores mais consagrados são Marx, Engels, Lenin, Fernand Braudel, Antônio Gramsci, Immanuel Wallerstein, dentre outros. Eles sempre procuram ver o contexto pela ótica da raiz econômica do poder e pregam a emancipação dos trabalhadores no mundo democrático cristão ocidental da burguesia opressora. Uma vez que consigam chegar ao poder, instalam uma ditadura muito mais violenta e repressiva ao exemplo da URSS, Cuba, Coréia do Norte e outras. No mundo democrático onde se manifestam, sempre adotam uma atitude pessimista sobre a situação presente e otimismo quanto ao futuro, quando estiverem no poder. Os temas-chave de suas pautas giram em torno de imperialismo, dependência, dominação, independência, luta de classes, internacionalismo operário, economia-mundo, dentre outros. Para eles, os atores dominantes do cenário são as potências imperialistas, as burguesias internacionalizadas, as classes operárias dos países industrializados e os povos oprimidos do Terceiro Mundo. Pregam sempre, dentro das democracias cristãs ocidentais a metáfora de Spartacus, ou seja, sempre precisam promover uma rebelião nas democracias capitalistas e atacar as elites. No entendimento deles, o mundo só terá paz quando todos forem comunistas, dessa forma sempre dizem que estão lutando pela paz. Essa escola de pensamento atua dentro das democracias capitalistas sempre criticando as FFAA e Forças Policiais através de estigmas de brutalidade e opressão. Instrumentalizam o conceito de Segurança Humana através de organizações de Direitos Humanos eivadas de ideologia de forma a restringir ao máximo a capacidade de eficiência policial através do controle da narrativa nos meios de comunicação. Seus representantes políticos articulam-se para promover legislações que limitem a capacidade da Justiça e o poder das FFAA e dos policiais no combate à criminalidade em geral, mas apresentam-se como defensores de direitos humanos de criminosos e menores infratores porque são considerados vítimas da sociedade desigual e capitalista. Alguns políticos preferem deixar a categoria policial desmoralizada, mal paga e na penúria para criar melhores condições de ser corrompida. O objetivo final é a ruptura da ordem vigente e tomar o poder. Essa escola busca, de maneira geral, legitimar o discurso de agentes não estatais que fazem uso da força nas democracias (narcoguerrilhas e facções de crime organizado), mas reprimem violentamente os levantes dessa natureza nos países em que conseguiram tomar o poder.
Resumindo, de maneira geral, dentro das democracias ocidentais, apenas a tradição realista busca dar maior respaldo às Forças de Segurança no combate às forças irregulares que atuam dentro do território (organizações criminosas) . A tradição liberal procura estabelecer um maior controle ao passo que a escola marxista e seus derivados buscam desmoralizar sistematicamente as FFAA e policiais caracterizando-os sempre como opressores. Nas ditaduras comunistas apresentam a ideologia que usaram para chegar ao poder marxista como algo irretocável, entretanto na prática, apenas o Estado pode se manifestar e tem exclusividade absoluta e respaldo ilimitado para o uso da violência e da força; o que caracteriza uma dicotomia, pois aplica os princípios da escola realista no nível superlativo.
Até conseguir chegar ao poder, marxistas pregam a supremacia da Segurança Humana, colocando a Segurança de Estado fora da prioridade, tudo com a finalidade de minar as estruturas da ordem vigente e criar melhores condições para a tomada do poder pelo voto ou pela força. Após atingir esse objetivo, subvertem a ordem sem viabilizar qualquer forma de oposição. Passa a valer uma ditadura liderada por uma classe dominante, sem direito a rodízio e a prioridade passa a ser a Segurança do Estado de forma absoluta.