Maré: coronel defende ações de inteligência contra crime

Fernando Montenegro enaltece Exército e poder de combate, apesar de recentes episódios de violência.

O dia 30 de março de 2014 foi histórico para os 130 mil moradores do Complexo da Maré, região violenta formada por 15 comunidades e localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro. Nesta data, as forças de segurança ocuparam o local em 15 minutos, com o objetivo de prepará-lo para a instalação da 39ª Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). No último sábado (5), cerca de 2.700 homens das Forças Armadas substituíram a Polícia Militar na ocupação. De acordo com o Ministério da Defesa, o contingente atuará na região até o dia 31 de julho.

Se em um primeiro momento não houve resistência por parte do crime organizado, o cenário não permaneceu pacífico. No mesmo dia da ocupação policial, o jovem Vinícius Guimarães, de 15 anos, foi assassinado por traficantes com um tiro na boca, durante uma briga entre facções. Outros dois menores também foram feridos. O Jornal do Brasil chegou a entrevistar a mãe do menino, Rosane Guimarães, que expôs o clima de apreensão na região. “Eu tenho medo de bala perdida e de tiroteio. Quando você está preparado e percebendo o clima, vai para dentro de casa, evita sair. Às vezes a pessoa vai ao mercado e calha de acontecer um tiroteio”, afirmou.

No sábado (5), antes da ocupação pelas Forças Armadas, a Secretaria de Segurança divulgou um balanço informando que 16 criminosos haviam sido mortos. Nesta segunda-feira (7), a Maré foi novamente palco de ações violentas. Traficantes tentaram atacar os militares em cinco ocasiões, por meio de tiros. Uma das rajadas, inclusive, atingiu o mototaxista Fábio de Barros, que está internado.

“As Forças Armadas estão entrando em uma área que não é tranquila. Se foram convocadas, é porque ainda têm assuntos a serem resolvidos, mas elas não estão ameaçadas pelo crime. Têm um poder de combate muito maior”, defende Fernando Montenegro, coronel das Forças Especiais e consultor de segurança. “O ataque às vezes é um disparo com arma de fogo com a finalidade de fazer com que a tropa se abrigue e os criminosos tenham tempo de fugir. Os grandes chefes acredito que fugiram. O crime agora tenta garantir a venda das drogas a varejo. Antes, a venda era em atacado, o local era um centro de distribuição de onde saía droga para toda a cidade. Agora você tem uma região que não exporta mais drogas, aí eles tentam garantir um consumo interno. Não dá para imaginar que esse consumo vai acabar de repente”, continua.

Montenegro também comenta a relação entre a geografia da região e a ocupação. “O Complexo do Alemão e a Penha eram terrenos com muitas elevações, era mais fácil se perder lá dentro porque é mais irregular. Na Maré, é mais esquadrinhado, as ruas se cruzam na perpendicular, então é mais difícil de se perder, mas tem mais saídas também. É importante ocupar as lajes para ter uma dominação do terreno, caso contrário os criminosos ficam em cima delas, observando a circulação da tropa e fazendo monitoramento por rádio”, explica.

Questionado sobre as estratégias para enfrentar o crime no complexo, o coronel aposta no diferencial do emprego de ações de inteligência e tecnologia. “São necessárias ações de inteligência para localizar os criminosos. Envolve monitoramento de sinal, disponibilidade de telefone para denúncias anônimas, utilização da rivalidade entre as facções, de maneira que uma passe informações sobre a outra, e ações sociais por parte do governo para retirar os jovens da criminalidade”, defende.

Quanto à reação da comunidade à ocupação, Montenegro destaca sua heterogeneidade. “A comunidade é heterogênea. Uma grande parcela não tem nenhum vínculo com o tráfico, tem medo e por isso não se manifesta em público a favor da ocupação. Às vezes tem até desconfiança porque sabe que as Forças Armadas não vão ficar ali para sempre. Só que existe uma parcela considerável que é envolvida com o crime, que trabalha com endolação de drogas, na vigilância ou provendo comida para o pessoal do tráfico. Essas pessoas costumam hostilizar, se manifestar de forma negativa”, afirma. O coronel vai além e denuncia: “No caso das ações hostis, é possível que tenha um viés político por trás, talvez alguém que não tenha interesse em garantir o processo pacífico”.

O consultor de segurança diz ter sido necessária a intervenção militar na região. “Na situação em que está a cidade do Rio de Janeiro, onde vai ter uma Copa daqui a pouco, sendo a Linha Vermelha um local crítico de passagem, para o aeroporto, inclusive, a intervenção foi necessária para garantir a segurança”, acredita. Aponta, ainda, a importância de uma ação social em paralelo. “Senão, não tem razão de ser”, assegura.

Montenegro faz questão de enaltecer o projeto e afirma que precisa ser aperfeiçoado como qualquer outro. “Foram décadas de abandono por parte do Estado. O processo de pacificação é, talvez, a primeira iniciativa pró-ativa que vemos. Até então as ações eram reativas, acontecia alguma coisa e mandavam força de reação. O que acontece agora é um processo planejado”, conclui.

Jornal do Brasil
Ana Luiza Albuquerque*
*Programa de estágio do JB

Link original: http://www.jb.com.br/rio/noticias/2014/04/08/mare-coronel-defende-acoes-de-inteligencia-contra-crime/