Muito já se ouviu dizer que a palavra crise em uma tradução para a língua chinesa – weiji, é um ideograma formado pela junção de dois outros: o negativo “perigo” (wei) e o promissor “oportunidade, ocasião propícia” (ji). Descontando algumas contestações de historiadores e estudiosos da língua, me parece que a tal milenar sabedoria chinesa, se fez presente ao nos levar a uma série de mudanças, tanto as esperadas (porém aceleradas no tempo), quanto as inesperadas. Uma crise tende a acelerar as mudanças.
Dentre estas mudanças que foram aceleradas, ou seja, que já estava sendo pensada, mas teve que ser posta em prática quase que do dia para a noite, foi a improvisação do ambiente de casa para atividades de trabalho. Essa nova forma de vida, trouxe entre outras variáveis, mais pedidos via aplicativos, compras online e, consequentemente mais entregas nas portarias e casas (controle de acesso e engenharia social, uma vez que pessoas foram ludibriadas com falsas entregas), e também fez com que as famílias percebessem mais ainda as suas moradias, uma vez que não podiam sair.
O uso necessário e até obrigatório das máscaras de proteção nos apresentou uma outra forma de adaptação: reconhecer as pessoas através de menos do que 50% do rosto exposto (ou achar que o fazemos), pelo tipo do andar, gestos característicos e outros métodos de reconhecimento. Nesse quesito, vejo com otimismo (talvez um pouco exagerado), um potencial aumento na conscientização dos moradores, usuários e gestores, em relação a uma melhor e mais efetiva forma de identificação das pessoas que transitam em um condomínio, seja ele comercial ou residencial, onde a forma tradicional de reconhecimento se perde e abre espaço não só para a tecnologia, atendendo à segurança (controle de acesso) como também para uma questão sanitária (aferição da temperatura).
A cadeia de oportunidades não termina por aí, os profissionais de serviços também passam a ampliar o seu já importante papel, incluindo mais itens de observação e ainda, tendo que considerar a hipótese (já vista nas redes sociais) de pessoas que acham que não precisam usar máscaras ou aferir a temperatura.
Indo para o lado de fora dos condomínios (comerciais ou residenciais), algo que também já estava em estudo e teve que ser acelerado, foi uma nova visão de bairros e de planejamento de cidades. Em um interessante artigo publicado recentemente, o professor Jefferson Tavares, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP (IAU – USP), preconiza duas citações que me chamaram a atenção e tomo a liberdade de repetir: 1) “ na vida urbana, não podemos abandonar a defesa do uso do espaço público” e 2) “a retomada da vizinhança como referência para as atividades diárias. Os deslocamentos mais curtos, a valorização das opções do bairro e a integração social convergem como possibilidades a serem exploradas”.
Como participante ativo de um dos Conselhos Comunitários de Segurança – CONSEG existentes em São Paulo, tenho observado nas reuniões e também em contatos com membros de outros CONSEGs, que o discurso de integração e colaboração é consensual, mas as ações em relação à essa união e intercooperação são fracas e ainda insipidas (com raras exceções). As pessoas ainda não amadureceram o suficiente para entender a grande força que possuem enquanto comunidade e, é justamente nessa “chacoalhada” que essa pandemia nos forçou, que vejo a oportunidade de mudanças para melhor, ou como dizem “o novo normal”.