As últimas semanas foram marcadas pelo acionamento do Batalhão de Defesa Química Biológica Radiológica e Nuclear do Exército Brasileiro e seus esquadrões anti-bomba. Várias destas atividades foram, nitidamente, testes para verificar a capacidade de reação da estrutura organizada para as Olimpíadas Rio 2016.
O Coronel (r) do Exército Brasileiro Fernando Montenegro, Forças Especiais (EB), foi Oficial de Operações do Destacamento de Contra-Terror, e na atualidade é professor do Curso de Pós Graduação em Gestão e Direção de Segurança da Universidade Autônoma de Lisboa, Portugal.
Visando ampliar a capilaridade de vetores identificadores dos possíveis atentados, foram ministrados treinamentos aos profissionais de segurança e de outros segmentos como o setor de hotelaria. Essa ação permitiu que mais pessoas passassem a participar ativamente na prevenção dos atentados.
Isso é importante porque a sofisticação na execução dos atentados terroristas nas duas últimas décadas tem surpreendido os estudiosos. O detalhamento do planejamento não se limita à busca do máximo de mortes, mas também em como estes atos para ampliar a visibilidade e aumentar a sensação de insegurança na opinião pública. Dessa forma, as organizações terroristas conseguem fazer com que uma ação tática ultrapasse os níveis operacional e estratégico e atinjam diretamente o nível político.
A metodologia de planejamento de um atentado segue uma cartilha que apresenta sete fases, quaisquer que sejam as técnicas, táticas e procedimentos (TTP) escolhidos para levar a cabo a execução de um atentado terrorista.
A primeira fase de um atentado consiste numa busca de informações sobre os alvos potenciais com maior visibilidade nos veículos de informação de domínio público. A prioridade são alvos que criem o maior impacto possível na mídia internacional de acordo com os objetivos estratégicos da organização.
A segunda fase consiste na vigilância e levantamento de inteligência dos alvos selecionados na fase anterior. Naqueles alvos com maior potencial de vulnerabilidade é investido um esforço maior. Durante a vigilância são priorizadas observações sobre indivíduos, instalações, práticas, procedimentos, rotinas, transporte, itinerários de deslocamento, viagens e medidas de segurança existentes.
Se tudo estiver correndo bem, na terceira fase será realizada a seleção do alvo específico, que será objeto do planejamento real para a execução de uma ação. Para chegar a esta escolha é necessário responder aos seguintes questionamentos:
- O êxito da ação afeta uma ampla audiência, independentemente das vítimas imediatas?
- O alvo em questão atrairá uma atenção de alto perfil da mídia?
- O êxito da ação transmite a mensagem correta para o público prioritário?
- O efeito produzido será consistente com os objetivos estratégicos da organização?
- O alvo proporciona uma vantagem marcante para a organização, em função de lhe dar oportunidade de demonstrar sua capacitação operacional?
- Numa análise de custo-benefício, a resultante favorece a execução da operação?
A quarta fase inclui a vigilância que precede o ataque para lapidar o planejamento final. Nessa fase, as informações precisam mergulhar num alto grau de detalhamento visando definir aspectos críticos como a logística e procedimentos operacionais. Essa fase pode levar dias, semanas, meses e até anos, para que tudo seja consolidado. Tudo depende da complexidade do alvo. Assim sendo, é prioritário verificar a segurança presente; a condução detalhada das operações de preparação, especialmente as referentes às concentrações de meios em pessoal e material; recrutar elementos capacitados de acordo com as necessidades; estabelecer uma ou mais bases de operações na área de interesse que contenha o objetivo; definir, avaliar e testar rotas de fuga e evasão; e definir, detalhadamente, os meios a serem agressivamente empregados no ataque ao alvo.
A quinta fase é a que os pretensos terroristas dos Jogos Olímpicos Rio 2016 encontram-se nesse momento. Assim como qualquer operação militar, principalmente as operações especiais, os ensaios são realizados para corrigir falhas não identificadas antes no planejamento. Desta maneira, aumentam as possibilidades de sucesso no atentado. Essas práticas são essenciais porque permitem a confirmação dos dados do planejamento da operação e permitem a criação de alternativas táticas para as decisões em conduta. Em princípio é necessário constar: dispositivo na área do objetivo; ações a realizar na ação do objetivo; rotas de fuga e evasão; desempenho do equipamento, armamento, munições e explosivos. Essa fase é a última chance que os gestores da segurança, valendo-se do sistema de inteligência estabelecido, têm para identificar as células terroristas, lobos solitários ou o alvo eleito e interrompam o atentado terrorista em andamento.
A sexta fase consiste na ação do objetivo. Na realidade, podemos perceber que têm ocorrido vários ataques simultâneos em alvos diferentes. Essa característica das campanhas terroristas contemporâneas dificulta a capacidade de prevenção e de reação dos órgãos de inteligência e das forças de segurança que estarão em grande desvantagem por não terem identificado a preparação do atentado. Pode-se observar que as forças de reação só têm chegado aos locais dos atentados após terem sido desencadeados e com grande fator surpresa. Os terroristas contam com a vantagem de escolher o local, surpresa tática, ações de distração, posições de bloqueio para retardar as forças de reação e, ainda, a escolha do momento e da forma de execução (principalmente se for um atentado suicida).
A sétima e última fase abrange três procedimentos básicos: a fuga, a evasão e a exploração. Normalmente as técnicas, as táticas e os procedimentos de uma fuga e evasão são objeto de bastante ensaio. Quando bem sucedidas, contribuem como um fator multiplicador para o efeito do terror. Mesmo se os homens-bomba morrerem na execução do atentado, sempre haverá o caso da fuga e evasão dos operacionais de suporte, que pelo seu treinamento, são considerados mais difíceis de substituir do que os próprios suicidas. Para que se entenda melhor essa dinâmica, esses elementos operacionais de suporte muitas vezes são responsáveis por colocar os suicidas no local mais adequado para o atentado ou indicar o momento ideal para acionamento de um explosivo, por exemplo.
A exploração pós-atentado(s) é a razão de ser de todo ato terrorista, que procura usar todos os meios disponíveis para difundir o evento. Há toda uma preparação visando ter agilidade na difusão e aproveitamento do momento. Planejamento da utilização da mídia, textos elaborados previamente, o uso da internet, rádio, vídeos editados, televisão, podcast e outras contribuem decisivamente.
O desdobramento das ações terroristas bem realizadas proporcionam efeitos significativos sobre diferentes públicos-alvo, inclusive, com reflexos no recrutamento de pessoal e no apoio financeiro. Por outro lado, ataques frustrados ou mal sucedidos têm o efeito inverso. Destroem a imagem da organização, mostrando-a vulnerável e ineficaz.
No cenário atual, percebe-se nitidamente o elevado grau de sofisticação no planejamento, organização, criatividade e capacitação técnica das organizações terroristas como o Estado Islâmico, Hamas, Hezbollah e Al Qaeda. Muitas das operações têm características próximas às realizadas por forças de operações especiais. Por causa disso, mesmo ampliando o espectro das operações de inteligência, os principais países-alvo dos atentados terroristas perceberam que é praticamente impossível impedir que essa nova forma de ações terroristas venham a ocorrer.
Como compensação, decidiu-se investir na capacitação das forças de reação e de controle de danos. Em linhas gerais, é com essas características que a segurança da Rio 2016 está estruturada para fazer face ao terrorismo. Tendo em vista que o país não possui tradição recente de atentados terroristas, muitos moradores do Rio de Janeiro têm enfatizado um ditado popular que diz que “Deus é brasileiro”. Tomara que seja mesmo porque os Jogos Olímpicos, infelizmente, têm um triste histórico de ações terroristas.